Ortorexia
Postado por
Anónimo
em segunda-feira, 17 de dezembro de 2007
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Uma alimentação equilibrada é um dos princípios básicos para uma vida saudável. Comer saudavelmente contribui para o bem-estar e ajuda a prevenir doenças crónicas e degenerativas. O tabagismo, o stress, o sedentarismo, a ingestão excessiva de álcool e uma alimentação errada com grande quantidade de gordura, açúcar e pobre em fibras, são factores que propiciam o desenvolvimento de doenças como hipertensão arterial, obesidade, colesterol e triglicerídeos elevados, e a diabetes, todos eles principais factores de risco para o desenvolvimento de doença cardiovascular.
Deve ser dada preferência a alimentos naturais, naturalmente ricos em nutrientes reguladores como as vitaminas, os sais minerais e as fibras. Os nutrimentos adicionados aos alimentos processados, com o objectivo de os enriquecer, são menos aproveitados do que os que se encontram nos alimentos naturais e essenciais. O modo de confeccionar os alimentos deve ser variado de modo que os torne saborosos, mas sem grande adição de sal ou gordura, de modo a conservar o sabor próprio de cada alimento e a proporcionar uma digestão fácil.
A alimentação deve, assim, ser um acto voluntário, mas orientado por diversos critérios que determinam se determinado tipo de alimentação é saudável para cada pessoa, devendo por isso ser personalizada o mais possível e depender de vários factores como a idade, os hábitos diários, os horários, a história médica, preferencias gastronómicas e estilo de vida. Sabe-se hoje que determinadas alterações de saúde, estão muitas vezes relacionadas com desequilíbrios na alimentação quer seja por excesso (obesidade, tensão alta, colesterol) ou por defeito (carência vitaminica). Por esta razão o saber alimentar-se não é apenas saciar a fome, mas faz parte de uma vida saudável. Considera-se que uma alimentação é a adequada quando esta é capaz de cobrir as necessidades de cada organismo. Para uma alimentação saudável é necessário que cada um de nós saiba o que adquire e distinga o natural ou benéfico do que é prejudicial.
Muitas pessoas, hoje, já se sentem alertadas para determinadas características dos alimentos que sabem ser pouco abonatórios desta prática e procuram consumir produtos que se encontrem minimamente isentos (porque totalmente isentos são praticamente impossíveis de encontrar, mesmo o produto mais limpo de toxinas) de substâncias prejudiciais à saúde. Incluem-se nesta gama os produtos distos ecológicos ou naturais, fruto de culturas biológicas(mais caros ao consumidor).
Por outro lado, os lobbies das grandes superfícies teimam em nos fornecer produtos alimentares, muitas vezes, já sujeitos a tratamentos conservadores e carentes da suas propriedades naturais, tais como legumes, frutas, carnes (muitas vezes congeladas e recongeladas) e peixe (que conservam nas bancas vários dias, no gelo!), o pão com demasiado sal e sem o peso estipulado por lei, etc.
Todos nós nos apercebemos destas barbaridades e procuramos sempre os produtos em que possamos minimamente confiar, recorrendo aos locais que nos inspiram essa confiança. Não porque suspeitemos constantemente de que poderemos estar a induzir-nos doenças mas porque nos sentimos melhor nessa procura. Esta sensação de segurança proporciona-nos, pelo menos, alguma sanidade mental no sentido de que nos estamos a alimentar devidamente - a nós e aos nossos!
Contudo, um médico americano, que exerce medicina alternativa, trouxe (ou tenta fazê-lo desde 1995, baseando-se numa experiência por si vivida, como poderemos ler mais abaixo!), para o dicionário médico um novo termo - ortorexia - que coloca a busca de alimentos mais saudáveis, na lista das patologias obsessivas, enquadrando-a no quadro dos distúrbios alimentares, tal como a anorexia e a bulímia.
A palavra ORTOREXIA é um neologismo baseado no grego em que “orthos” significa “correcto” e “orexis” significa “apetite”. Foi criada por um médico Americano, Steven Bratman, (Health Food Junkies: Orthorexia Nervosa: Overcoming the Obsession With Healthful Eating, by Steven bratman with David Knight, Broadway Books, N.Y. 2001) para baptizar um quadro ou uma condição que ele define como um novo distúrbio alimentar no qual os indivíduos demonstram uma fixação patológica em comer alimentos saudáveis. Trata-se de uma obsessão com a qualidade dos alimentos e com a pureza da dieta, o que leva estes pacientes a terem, de facto, uma preocupação em comer “alimentos politicamente correctos”.
O objectivo dos ortorécticos é ingerirem alimentos que contribuam para o bom funcionamento do organismo e libertem o corpo e a mente de impurezas, para alcançarem um corpo saudável. Evitam tudo o que consideram patogénico e defendem que tudo tem de ser asséptico e estéril, porque pensam que a higiene e a pureza originam saúde. É um quadro, ou uma condição, que não se encontra definida academicamente, nem no DSM-IV ou mesmo no CID-10.
A evolução:
Segundo Steven Bratman, a doença começa, inocentemente, com o desejo de curar as doenças crónicas e de melhorar o estado de saúde. Requer, para tal, uma considerável autodisciplina e auto-controle, para adoptar uma “dieta” pretensamente saudável, que difere radicalmente dos hábitos alimentares adquiridos na infância e que nada têm a ver com o estilo de vida da sociedade ocidental e da cultura que os rodeia.
A ideologia seguida pelos ortorécticos leva a que, na procura de um corpo saudável, se elimine tudo o que é nefasto ou artificial, o que passa a ser uma preocupação central no seu dia-a-dia. Chegam a consumir diariamente apenas seis ou sete qualidades de alimentos, por repudiarem todos os produtos que acham menos puros, que impedem o alcance de um corpo saudável. Na procura da pureza alimentar, os indivíduos podem tornar-se muito restritivos em relação aos alimentos que escolhem para consumir. Por exemplo, evitam os alimentos que contêm sal, os que contêm açúcar, bem como aqueles que contenham corantes, conservantes, etc...
Desta forma, os indivíduos acabam por adoptar comportamentos nutricionais cada vez mais restritivos que podem levar à carência de determinados nutrientes, colocando a saúde destes indivíduos em risco. Com uma pequena variedade de alimentos, os ortorécticos acabam por ter dificuldade em satisfazerem as suas necessidades nutricionais. Embora o comportamento adoptado vise a obtenção de plena saúde, este pode acabar por levá-los ao oposto – a doença.
Com o tempo, a maior parte do dia dos ortorécticos é dedicado a planear, comprar, preparar e confeccionar os alimentos que vão consumir.
Dedicam, também, muito tempo ao acto de comer. É a chamada “espiritualidade da cozinha”.
A vida dos ortorécticos passa a ser dominada por esforços para resistir às tentações e quando um deslize é cometido, que pode passar pela ingestão de um biscoito ou uma fatia de pizza, eles têm que executar actos de penitência. Actos esses que envolvem dietas ainda mais rigorosas e jejuns.
A idealização de um estado de saúde perfeito faz com que se tornem obsessivos.
Esta característica da Ortorexia apresenta semelhanças com dois bem conhecidos distúrbios alimentares: a Anorexia Nervosa e a Bulimia Nervosa.
Não foi ao acaso que a palavra foi escolhida pelo autor.
Enquanto os anorécticos e os bulímicos têm uma obsessão pela quantidade de alimentos que ingerem, o ortoréctico torna-se obcecado pela qualidade dos alimentos que ingere. Não está em causa, a quantidade dos alimentos ingeridos, mas a sua qualidade. Em vez de se regerem pelo número de calorias, organizam as suas refeições, em função da pureza dos alimentos consumidos.
Uma outra consequência é o afastamento da sociedade, porque se sentem na obrigação de esclarecer, elucidar e convencer familiares e amigos do mal que causam os produtos processados e dos perigos dos pesticidas e fertilizantes artificiais. Isto gera conflitos e dificuldades de relacionamento, arriscando-se o ortoréctico a ficar “sozinho na sua luta”.
Sentem o seu comportamento como algo bom e virtuoso, se algo é difícil de concretizar, então é porque é virtuoso. Quanto mais extremistas forem em relação à sua alimentação, então mais virtuosos se sentem.
Todos nós sabemos que ter uma alimentação saudável é fundamental para possuirmos um óptimo estado nutricional e consequentemente ter saúde. Somos hoje bombardeados com mensagens para optar pelos produtos da agricultura biológica, evitar produtos processados… Mas, até que ponto ser demasiado saudável, é aconselhável para nós?? Será que este distúrbio existe de facto?
Vários nutricionistas dizem desconhecer o termo e que sem investigação científica não se pode provar que a ortorexia é, sem sombra de dúvida, um distúrbio alimentar obsessivo ou compulsivo, nem sequer incluí-lo na mesma classe da anorexia e da bulimia.
O próprio autor do conceito, Steven Bratman, refere não ter realizado estudos sobre a Ortorexia Nervosa, porque o seu interesse não é criar um novo diagnóstico, mas pôr as pessoas a pensar no tipo de alimentação que fazem. Segundo o autor, a Ortorexia Nervosa pode até não ser tão séria como outros distúrbios, mas acha que este assunto deveria ser discutido na comunidade científica. Contudo, vários especialistas no assunto condenam Bratman por estar a lançar falsos alarmes e que não deveria aconselhar o público no livro que escreveu.
A sensibilidade do autor para o problema da Ortorexia surgiu através de uma experiência pessoal. Ele próprio passou por uma fase de extrema pureza alimentar, quando viveu numa comunidade de idealistas alimentares. Segundo testemunho pessoal, Bratman diz: “Era um vegetariano, comia legumes frescos e de qualidade plantados por mim, mastigava cada colherada mais de 50 vezes, comia sempre sozinho, em local sossegado, e deixava o meu estômago parcialmente vazio, no final de cada refeição. Tornei-me um presunçoso que desdenhava qualquer fruto colhido da árvore há mais de quinze minutos. Durante um ano fiz esta dieta, senti-me forte e saudável. Observava com desprezo aqueles que comiam batatas fritas e chocolates, como meros animais reduzidos à satisfação dos seus desejos. Mas não estava satisfeito com a minha virtude e sentia-me sozinho e obcecado. Evitava a prática social das refeições e obrigava-me a esclarecer familiares e amigos acerca dos alimentos”.
Assim, e resumindo, apesar de se tratar de um conceito, ainda desconhecido ou aceite por grande da comunidade científica ou médica (ainda para mais partiu de uma experiência pessoal do autor da obra, e como tal sem fundamento), os Nutricionistas, bem como outros profissionais de saúde, devem estar atentos a mais este comportamento alimentar, particularmente, na falta de ainda mais orientações científicas, à identificação de carências nutricionais específicas e à sua correcção, através da orientação destes “pacientes” para escolhas alimentares saudáveis, aos olhos das Ciências da Nutrição e não só aos olhos dos ortorécticos.
Venha ou não a definir-se e aceitar-se este comportamento como um distúrbio e a integrar-se ou não no DSM-IV ou outro manual, o facto é que obsessões para com alimentos, que tenham como resultado final dietas/comportamentos alimentares, nutricionalmente desequilibrados, merecem toda a atenção e o aconselhamento alimentar adequados.
Assim, e resumindo, apesar de se tratar de um conceito, ainda desconhecido ou aceite por grande da comunidade científica ou médica (ainda para mais partiu de uma experiência pessoal do autor da obra, e como tal sem fundamento), os Nutricionistas, bem como outros profissionais de saúde, devem estar atentos a mais este comportamento alimentar, particularmente, na falta de ainda mais orientações científicas, à identificação de carências nutricionais específicas e à sua correcção, através da orientação destes “pacientes” para escolhas alimentares saudáveis, aos olhos das Ciências da Nutrição e não só aos olhos dos ortorécticos.
Venha ou não a definir-se e aceitar-se este comportamento como um distúrbio e a integrar-se ou não no DSM-IV ou outro manual, o facto é que obsessões para com alimentos, que tenham como resultado final dietas/comportamentos alimentares, nutricionalmente desequilibrados, merecem toda a atenção e o aconselhamento alimentar adequados.
Tratando-se de um direito de cada um de nós - a busca de uma alimentação que não induza ao aparecimento de doenças - será justo alargar este conceito a todos aqueles que procuram somente uma vida saudável e livre de perigos?
Não estará a elevada taxa de doenças do foro digestivo relacionada com as mixórdias que nos colocam, diariamente, na frente, como que indicando-nos a toca do lobo, para a qual contribui a industria alimentar?
Será obsessivo preocuparmo-nos com a nossa alimentação, quando morrem diariamente pessoas vitimas de doenças cardio-vasculares ou acidentes vasculares cerebrais (AVC)?
Eu creio que não... e generalizar ou englobar esta nossa preocupação no quadro de uma obsessão é o mesmo que nos levarem mais cedo para o fundo do túnel - a doença ou a morte anunciada!!
PÓS-TEXTO:
(1) Este texto foi redigido na sequência de uma reportagem que passou na SIC, no dia 2 de Novembro, sobre o assunto, onde se pretendeu difundir o conceito como sendo uma doença psiquiátrica que começa a atingir uma vasta camada de portugueses que se sentem obcecados com a alimentação.A este propósito encontra-se a decorrer um Fórum, onde pode ser discutido o assunto, para além de mais informações.
(2) A pedido da nossa caríssima comentadora Maria Afonso Sancho, que nos pediu informações mais detalhadas sobre este assunto, a quem dirigimos um forte abraço por nos ter trazido o tema a debate.
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