A escola como um divã de psicanalista.
Postado por
Maria Sá Carneiro
em terça-feira, 27 de maio de 2008
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Como contar?
Um dia acordei, ou melhor deitei-me a pensar na minha vidinha…. Uma seca, um sucesso aparente, a esconder um insucesso… Que fazer da minha vida?
Alguns anos de psicanálise ajudaram a resolver alguma coisa do passado, as pazes com a Mãe, as mortes, as partidas fora de época, os amores e desamores. A noção da absoluta falta de jeito na escolha da pretensa pessoa certa, de facto, um mar de incertos, com muito pouco de certo.
Melhoraram, relativizaram a culpa, tipo, Be Happy, sem culpa nem desculpa…mas, e o futuro???
Foi verdadeiramente aí que a ideia de estudar passou na minha confusa cabeça. Acto de desespero? Vontade de fugir à representação que criei da Maria.
A procura da verdade e o confronto comigo mesma. Serei capaz? Serei inteligente?
Em tom de desafio, à pessoa errada, conforme irão verificar, contei a uma amiga minha. Bem, Maria o que foste tu fazer?
Quatro dias depois, eu estava de mochila, colocada disfarçadamente de lado, rumo à escola. Mais eficiente do que ela……não há.
Sem saber bem para onde olhar, nem o que falar, dei por mim enfiada numa aula de economia, numa turma de 10º ano.
Gostei deste ano, fez-me parar, pensar, rir, sorrir, desesperar por não ter tempo, entender como o tempo é relativo, fez-me sonhar outra vez.
Auto intitulei-me de Mary, mais próximo da realidade escolar, sim eu sei, sempre a capa, mas aceitem por favor a idade vai avançando…
Foi muito interessante conhecer pessoas mais novas, senti-me mais próxima das minhas filhas, entendi algo, que até aí tinha sido sempre para mim um mistério. Sempre as vi satisfeitas com uma nota alta, mas logo apreensivas, com a nota seguinte. De facto não é muito difícil tirar uma boa nota, mas mantê-la, já é um caso mais sério.
Não foi fácil ser avaliada, senti a minha auto-estima abalada, por vezes até vontade de pedir parte do dinheiro investido na psicanálise, brinco, como sempre. Mas falar diante dos colegas, com uma enorme possibilidade de errar, sentir as pessoas a olhar para mim, voltei a ter medo de corar, de me engasgar.
Aproximou-me da verdade, da realidade, da minha permanente fuga em frente, de viver numa correria desenfreada, pânico de parar, de pensar. Talvez mesmo medo de morrer; quem vive a correr, foge da morte.
Este confronto abalou-me, esta conclusão, fez-me sair de uma aula de geografia, sentar nas escadas geladas num dia de chuva miudinha, bem à Porto, acender uma cigarrilha, e ver uma sucessão de caras daqueles que tanto amei, e já partiram. Aí senti o meu medo de morrer, como eles.
Senti o meu coração bater mais forte, a minha vontade de viver, senti que não quero fugir mais, quero ter tempo para mim, quero viver, quero acreditar em mim.
Viver por mim, para mim, ser feliz, quero continuar a procurar a verdade, seja Marie, seja Mary, seja elas todas, eu serei todas, à vez, uma de cada vez.
Quero estudar, fazer o meu curso de Direito, projecto interrompido, por um amor que não deu certo, mas que me deu duas filhas maravilhosas, e quero ser Avó….Claro.
Avó de mochila às costas, mas deliciosamente Avó.
Enfim, voltar a estudar devolveu-me o que tinha perdido, paixão, pela verdade, pela procura da mesma vontade de aprender, e acreditar em mim, nas minhas capacidades.
Maria Sá Carneiro
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