1967-1975
Postado por
Anónimo
em domingo, 1 de junho de 2008
...
As recordações que guardo na minha memória, do tempo em que vivi em África – Angola - deixam-me muito nostálgica. Há algum tempo atrás pensei partilhá-las com outras pessoas: umas, provavelmente viveram uma história parecida, outras nem por isso, outras ainda poderão nem acreditar nela.
Ofereceram-me o livro “Os retornados - uma história de amor” do jornalista Júlio de Magalhães. O que li é tão verídico! Tão parecido com o que eu vivi, que ao rever-me nas situações descritas, não resisti em contar o que sinto ainda vivo na minha memória e que ficou gravado para sempre no meu coração...
Talvez mais um testemunho do sofrimento de todos aqueles que depositaram uma esperança de vida num país longínquo...
Não precisei de fazer grandes esforços para a avivar!... Recordo tudo, com uma facilidade espantosa, mesmo depois de tantos anos, tudo o que vivi naquele território outrora português, como se os factos se tivessem passado há relativamente pouco tempo!
Tenho ainda hoje, e apesar de passagens muito tristes e penosas pelo sofrimento infligido, não só a nós (a mim e aos meus Pais) mas a muitas outras pessoas que acreditaram poder fazer das ex-colónias a sua Pátria. Aí se empenharam em construir as suas vidas, uns, em reconstruir, outros, em arriscar uma nova vida, outros ainda.
Espero não morrer sem, um dia, concretizar um sonho: voltar a Luanda!! Nem que seja uma só vez para rever ou reviver, ainda que por breves momentos, todos os locais onde vivi uma parte da minha infância e inicio de adolescência, feliz!
Sei que irei ficar desiludida, quiçá... aquela cidade, aquele país nunca mais foi o mesmo!... talvez esteja tudo destruído e nem vestígios existam dos locais onde passei aqueles anos... mas permito-me sonhar... Quem sabe, um dia?
Porque o texto se adivinha longo, dividi-o em várias partes, cada uma delas contando um episódio... de uma parte da minha vida!
Ofereceram-me o livro “Os retornados - uma história de amor” do jornalista Júlio de Magalhães. O que li é tão verídico! Tão parecido com o que eu vivi, que ao rever-me nas situações descritas, não resisti em contar o que sinto ainda vivo na minha memória e que ficou gravado para sempre no meu coração...
Talvez mais um testemunho do sofrimento de todos aqueles que depositaram uma esperança de vida num país longínquo...
Não precisei de fazer grandes esforços para a avivar!... Recordo tudo, com uma facilidade espantosa, mesmo depois de tantos anos, tudo o que vivi naquele território outrora português, como se os factos se tivessem passado há relativamente pouco tempo!
Tenho ainda hoje, e apesar de passagens muito tristes e penosas pelo sofrimento infligido, não só a nós (a mim e aos meus Pais) mas a muitas outras pessoas que acreditaram poder fazer das ex-colónias a sua Pátria. Aí se empenharam em construir as suas vidas, uns, em reconstruir, outros, em arriscar uma nova vida, outros ainda.
Espero não morrer sem, um dia, concretizar um sonho: voltar a Luanda!! Nem que seja uma só vez para rever ou reviver, ainda que por breves momentos, todos os locais onde vivi uma parte da minha infância e inicio de adolescência, feliz!
Sei que irei ficar desiludida, quiçá... aquela cidade, aquele país nunca mais foi o mesmo!... talvez esteja tudo destruído e nem vestígios existam dos locais onde passei aqueles anos... mas permito-me sonhar... Quem sabe, um dia?
Porque o texto se adivinha longo, dividi-o em várias partes, cada uma delas contando um episódio... de uma parte da minha vida!
Episódio I – Dia D: a partida
Lisboa, 20 de Agosto de 1967
Tinha, eu, 6 anos e um mês, sensivelmente...
Do cais do porto de Leixões parte o navio Príncipe Perfeito, rumo a Angola, com carga e passageiros numa viagem prevista de 11 dias, e paragem em São Tomé e Príncipe, por 2 dias.
Como passageiros, uma centena larga de pessoas com rumos diferentes no interior de Angola: mulheres casadas por procuração, iam ao encontro de um homem - sem o ter conhecido antes, a não ser por fotografia; outras casadas por procuração (tinham namorado no Continente e só agora poderiam finalmente juntar-se à pessoa com quem tinham casado visto ele não se poder ou não querer deslocar-se ao Continente); mulheres casadas com ou sem filhos que finalmente se iam juntar aos seus maridos, que tinham partido muito antes na tentativa de conseguir uma vida melhor do a que tinham no Continente; homens que partiam também à procura de melhor vida... alguns numa completa aventura... outros já com carta de chamada de amigos ou familiares que já lá se encontravam e lhes arranjavam a tal carta, o que implicava uma grande responsabilidade para quem a arranjava, uma vez que se tornava responsável por essa pessoa.
A maior parte era gente humilde do interior do Continente que nunca tinham visto um navio ou mesmo o mar!
Como passageiros, uma centena larga de pessoas com rumos diferentes no interior de Angola: mulheres casadas por procuração, iam ao encontro de um homem - sem o ter conhecido antes, a não ser por fotografia; outras casadas por procuração (tinham namorado no Continente e só agora poderiam finalmente juntar-se à pessoa com quem tinham casado visto ele não se poder ou não querer deslocar-se ao Continente); mulheres casadas com ou sem filhos que finalmente se iam juntar aos seus maridos, que tinham partido muito antes na tentativa de conseguir uma vida melhor do a que tinham no Continente; homens que partiam também à procura de melhor vida... alguns numa completa aventura... outros já com carta de chamada de amigos ou familiares que já lá se encontravam e lhes arranjavam a tal carta, o que implicava uma grande responsabilidade para quem a arranjava, uma vez que se tornava responsável por essa pessoa.
A maior parte era gente humilde do interior do Continente que nunca tinham visto um navio ou mesmo o mar!
De entre todos esses passageiros... eu e os meus Pais... íamos, também, tentar a nossa sorte em Luanda. O meu Pai tinha formado uma sociedade cá em Portugal: uma fábrica de botões... A única naquele País!!! O meu Pai conhecia muito bem aquele mister, já que durante anos e anos trabalhara numa fábrica do mesmo género.
Eu nasci... o meu Pai, apesar de ser gerente, ganhava mal... e na altura com uma filha, as coisas tinham-se tornado difíceis. Arriscou formar a sociedade, recomeçar num País longínquo, desconhecido, mas do qual ouvia maravilhas!!! O sonho tornado realidade?
Naquele dia deu-se o primeiro passo para a aventura de viver longe da restante família: cunhados, irmãos, amigos... tudo se deixou para trás para realizar o seu sonho de uma vida melhor.
A bordo era tudo muito estranho e diferente daquilo a que estávamos habituados, a começar pelas refeições.
A minha mãe, mal o paquete encetou viagem, recolheu ao camarote, sempre enjoada com as oscilações do navio, mal se conseguindo aguentar de pé. Permaneceu no camarote durante toda a viagem! Não viu sequer a imensidão daquele mar... nem conheceu o navio!
Eu desapareci: um casal recém-casado tomou conta de mim e com eles andei sempre, ávida de ver tudo... e aquele mar!!! Lembro-me do fascínio que senti... Eu já tinha visto o mar, na praia – todos os anos, no Verão a minha mãe alugava uma barraca na praia e íamos as duas apanhar banhos de sol, contra o raquitismo!... O meu Pai não ia por ser sensível aos raios solares, desde miúdo... ainda hoje é...
Mas aquele mar tão grande deslumbrava-me e o paquete parecia uma noz, perdido na sua vastidão!
A primeira refeição a bordo foi um autêntico desastre. Tudo era diferente do que estávamos habituados... Mas enfim... Tínhamos de comer... os dias eram longos para quem permanecia num espaço que apesar de grande era limitado às muradas daquele paquete.
Aliado ao balanço do navio, passado um bocado, era ver alguns passageiros, a deitar borda fora, a refeição ingerida momentos antes...
Dois dias depois de termos partido de Leixões, chegámos a São Tomé... Que alívio para a minha mãe! Podia, finalmente, levantar a cabeça da almofada, respirar ar puro!... E comer! Coisa que já não fazia havia 4 dias!!
Fomos transportados para terra a bordo de uma lancha. Muitos outros passageiros ficaram a bordo...
Ainda me lembro que outras pequenas embarcações governadas por nativos, se acercaram do navio com lembranças de São Tomé: trabalho artesanal que vendiam.
A paragem em São Tomé foi providencial: ia conhecer uns tios e primos (ela, irmã da minha mãe).
A minha mãe lá conseguiu comer alguma coisa e recuperou um pouco as suas cores, sentindo-se mais preparada para enfrentar o resto da viagem. À excepção da passagem do Equador, no qual fizemos uma exercício de simulação com colete de salvação e ir para a nossa baleeira de salvação. Uma simulação como se o navio estivesse a ir ao fundo... todos levámos com um banho de água à mistura - o que resultou numa grande confusão, pois muitos pensaram que era a sério – mas no fim, tudo acabou em bem!!
Os restantes dias decorreram sempre iguais até à nossa chegada a Luanda em 31 de Agosto de 1967, de manhã muito cedo... com o sol africano a raiar... brilhante...
O cais abarrotava com os familiares dos que chegavam... Os nossos tinham ficado longe... apenas um casal de amigos do sócio do meu pai nos esperava – o sr. Veloso e esposa – a fazer as honras da casa.
A nossa ansiedade era muito grande... Muitas expectativas... para saber como iria ser a tão falada “África dos pretos” como se dizia em Portugal!!
PAQUETE PRINCIPE PERFEITO
Era um dos paquetes da antiga Companhia Nacional de Navegação e que
milhares de portugueses transportou de Portugal para Moçambique e Angola
(A continuar...)
blog comments powered by Disqus