Teatro no Comadres
Postado por
Anónimo
em segunda-feira, 10 de novembro de 2008
...
Peça de teatro elaborada pela filha de uma professora à beira de um ataque de nervos. Não se sabe bem se será uma comédia ou uma tragédia. Qualquer semelhança com a realidade poderá não ser pura coincidência.
CENAS DA VIDA DE UM PROFESSOR
CENA 1
(O professor passa apressado em frente à barbearia.
O barbeiro, que está à porta, interpela-o.)
BARBEIRO:
Olha, o senhor professor!
Essa barba por fazer...
O cabelo desgrenhado...
Desculpe ter de o dizer:
Devia ter mais cuidado.
Já não vem ao seu barbeiro!
Dispensou o meu serviço?
PROFESSOR:
Já não vem ao seu barbeiro!
Dispensou o meu serviço?
PROFESSOR:
Um professor a tempo inteiro
Já não tem tempo para isso.
CENA 2
(O professor está em casa a preparar aulas. Ouve o telefone e atende. É a mãe.)
CENA 2
(O professor está em casa a preparar aulas. Ouve o telefone e atende. É a mãe.)
MÃE:
Que filho desnaturado!
Não ligas à tua mãe!
E andei-te eu a criar!...
PROFESSOR:
Não ligas à tua mãe!
E andei-te eu a criar!...
PROFESSOR:
Tenho andado cansado.
Já não ligo a ninguém.
Passo a vida a trabalhar.
CENA 3
(O professor está em casa a corrigir testes. Tocam à campainha.
Ele abre a porta. É o irmão.)
IRMÃO:
IRMÃO:
Olá, mano. Como vais?
Há tempos que te não via.
Já não telefonas, não sais...
Como eras... quem diria...
PROFESSOR:
Há tempos que te não via.
Já não telefonas, não sais...
Como eras... quem diria...
PROFESSOR:
Divertir-me já não posso.
Já nem janto nem almoço.
Sabes que esta vida é dura.
IRMÃO:
Já nem janto nem almoço.
Sabes que esta vida é dura.
IRMÃO:
Isso não é profissão.
Mais parece uma prisão.
Voltaste à ditadura.
Mais parece uma prisão.
Voltaste à ditadura.
CENA 4
(O professor passa apressado em frente de um restaurante.
O dono vem à porta, cumprimentá-lo.)
DONO REST.:
DONO REST.:
Então, que é feito de si?!
Que antes comia aqui
Cabidela e feijoada?...
Que antes comia aqui
Cabidela e feijoada?...
PROFESSOR:
Nem para comer tenho tempo.
Dentro do meu pensamento.
Só há trabalho e mais nada.
Dentro do meu pensamento.
Só há trabalho e mais nada.
CENA 5
(O professor está no quarto com a esposa.)
ESPOSA:
Que se passa, meu amor?
Já não sinto em ti calor.
Ponho roupa provocante,
Mas tu pareces distante.
Olhas triste para a janela...
PROFESSOR:
Já não sinto em ti calor.
Ponho roupa provocante,
Mas tu pareces distante.
Olhas triste para a janela...
PROFESSOR:
Sei que é ideia sinistra,
Mas só penso na Ministra,
Já só me excito com ela.
Mas só penso na Ministra,
Já só me excito com ela.
CENA 6
(O professor está em casa, de volta dos livros.
Numa das paredes, está um altar com um Santo António.
O Santo sai do altar e dirige-se ao professor.)
STO ANTÓNIO:
Por onde andas, meu filho?
Que já não falas comigo...
Perdeste a devoção?
Sou santo conhecedor.
Sinto tua angústia e dor
Dentro do teu coração.
PROFESSOR:
Que já não falas comigo...
Perdeste a devoção?
Sou santo conhecedor.
Sinto tua angústia e dor
Dentro do teu coração.
PROFESSOR:
Ó meu rico Santo António!
Belos tempos que lá vão!...
Dirigia-te oração,
Era teu adorador.
Mas com esta profissão,
Já não tenho tempo, não.
É vida de professor...
Menino Jesus, livra-te de ires para professor!
Dirigia-te oração,
Era teu adorador.
Mas com esta profissão,
Já não tenho tempo, não.
É vida de professor...
Menino Jesus, livra-te de ires para professor!
CENA 7
(O professor está no quarto, a colocar roupa numa mala de viagem.
O filho entra.)
FILHO:
FILHO:
Porque levas tua roupa?
Estás a pensar dar à sola?
Deixas-me a mim e à mamã?
PROFESSOR:
Estás a pensar dar à sola?
Deixas-me a mim e à mamã?
PROFESSOR:
Tenho a cabeça louca!
Vou viver para a minha escola.
Já lá fico para amanhã.
Vou viver para a minha escola.
Já lá fico para amanhã.
CENA 8
(O professor vai à igreja confessar-se ao padre.)
(O professor vai à igreja confessar-se ao padre.)
PROFESSOR:
Senhor padre, eu pequei.
Foi culpa da diarreia.
É que ontem mal trabalhei,
A defecar a tarde inteira.
PADRE:
PADRE:
Pois se pecaste, meu filho,
A Deus Pai pede perdão.
Compensa o tempo perdido.
Regressa à tua missão.
A Deus Pai pede perdão.
Compensa o tempo perdido.
Regressa à tua missão.
CENA 9
(O professor vai a uma consulta de psiquiatria.
O psiquiatra abana a cabeça.)
PSIQUIATRA:
Vou ser curto e directo:
Se isto continua assim,
Vou ter de o internar.
PROFESSOR:
PROFESSOR:
Deus me livre! Vade Retro!
O que seria de mim
Sem poder ir trabalhar?!
O que seria de mim
Sem poder ir trabalhar?!
CENA 10
(O professor está já morto e enterrado. Vê-se a lápide.
Ouve-se uma voz narrando o que aí está escrito.)
VOZ:
Aqui jaz homem honrado.
De virtudes um modelo.
Ao trabalho consagrado.
Tomara qualquer um sê-lo.
Todos os papéis preenchia.
Nas reuniões sempre presente.
Para o trabalho vivia,
Mesmo estando já doente.
Sofrendo do coração,
Trôpego, de idade avançada,
Faleceu de exaustão,
No meio da papelada.
Abençoado sejas.
Ficarás sempre no meu coração.
Faleceu de exaustão,
No meio da papelada.
Abençoado sejas.
Ficarás sempre no meu coração.
Ministra da Educação
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