A Internet em Tribunal/ João Pedro Graça!
Postado por
Maria Sá Carneiro
em domingo, 7 de junho de 2009
...
A Internet em Tribunal
Partilhar
Qui 15:34
No passado dia 2, foi lida no Tribunal de Montemor-O-Velho a sentença do meu julgamento, já aqui antes referido, facto que teve alguma repercussão em diversos órgãos de comunicação social1 e também em alguns blogs.
Absolvido do crime de calúnia e difamação, fui no entanto condenado a uma pena de multa (800 €), pelo crime de gravação ilícita. De realçar, esclarecendo as pessoas menos ao corrente destas coisas da Justiça, que as penas de multa revertem para o Estado e não para quem se queixa ou acusa.
De todas as incidências deste julgamento, de evidentes complexidade e especificidade, ressaltam principalmente dois factos: por um lado, tratou-se de um caso inédito, ou seja, para o qual não existiam nem precedentes nem, por conseguinte, qualquer espécie de jurisprudência; por outro lado, e também nisso houve total ineditismo, a minha defesa foi assumida - tanto pelo meu advogado como pelas minhas testemunhas - por simples solidariedade para com a causa da transparência, da honestidade e da hombridade na Internet, este meio virtual em que todos os que por aqui andam cada vez mais estão entregues exclusivamente a si próprios... sem rei nem lei que lhes valha.
Parece-me de realçar que apenas quanto ao crime de gravação ilícita não vingou a tese da defesa, que propugnava a exclusão de ilicitude tendo em atenção os fins em vista, ou seja, a legítima defesa (não própria, mas alheia); e isto sucedeu exclusivamente porque o crime de gravação ilícita foi por mim confessado, de forma expressa e, porque não dizê-lo, com orgulho. A absolvição quanto aos restantes crimes de que vinha acusado resultou de ter verificado o Tribunal não ter havido qualquer animus difamandi na divulgação da referida gravação. Mesmo não tendo sido relevado o facto de que não teci quaisquer considerações sobre os conteúdos publicados, deixando a cada qual que os lesse, visse ou ouvisse a liberdade para tirar as suas próprias conclusões, ficou claro que não tive outra intenção que não fosse a de alertar a comunidade cibernética para uma prática irregular, a qual poderia vir a prejudicar elementos, indivíduos dessa mesma comunidade virtual, pelo menos tanto como a mim próprio a dita prática prejudicou.
Na minha opinião (e espero não constitua ainda delito exprimir o que nos vai na alma), não fui total e absolutamente absolvido porque a mesma comunidade à qual o meu alerta se destinava resolveu, grosso modo, alhear-se da questão; se, em vez dos "apenas" 7 bloggers que depuseram a favor da causa lá tivessem estado 70 (por exemplo), estou certo de que as coisas teriam sido diferentes; se tivesse havido uma vaga de fundo, caso a "blogosfera" em particular se tivesse mobilizado por algo que lhe dizia inteiramente respeito, então sim, teria ficado provado por inteiro que se tratou de um acto de cidadania e que a cidadania, pelo menos até ver, não deve nem pode ser confundida com um crime, mesmo que ou especialmente se confesso.
Não conhecia pessoalmente nenhuma das minhas testemunhas, à data dos factos de que fui acusado. Foram pessoas que se solidarizaram comigo porque reconheceram mérito numa causa que era (e é ainda) também de todos e de cada um deles. Para esses verdadeiros heróis da luta por uma comunidade virtual honesta e transparente que ali estiveram, com tanto sacrifício pessoal e de forma tão corajosa, daqui envio uma palavra de profundo apreço e um grande abraço de imensa gratidão.
Poucos mas bons, como se costuma dizer. E se não há dúvidas sobre o modo como foram bons, todos eles, já não será tão fácil apurar porque terão sido apenas estes 7 a estar no julgamento, reafirmando o carácter cívico da acção que lhe deu origem. Mas também sobre isto tenho uma opinião. Pessoalíssima, obviamente.
A Internet é uma coisa muito recente, em Portugal. No caso particular dos blogs e, mais recentemente ainda, das redes sociais, estamos numa idade equivalente à pré-adolescência, com todos os problemas comportamentais, erráticos e por vezes descabidos, que são característica intrínseca de um corpo em formação. E a isto, que já não seria pouco, acresce uma particularidade, também ela idiossincraticamente aplicada ao caso português e também ela típica dessas idades irresponsáveis e frenéticas: os "gangs". Quando eu era garoto, chamava-se "gandulos" àqueles que entretinham todo o seu tempo a partir vidros ou a riscar automóveis, por exemplo.
Pois na "web" portuguesa, aos seus 8 ou 9 ou 10 anos, assiste-se a algo muito semelhante: grupos mais ou menos organizados que se guerreiam mutuamente por puro ócio e que, já com alguns laivos de hierarquia interna e de correlações de poder, são no seu conjunto capazes de provocar estragos sérios na própria estrutura social... virtual. Alguns desses "gandulos" arvoram-se mesmo em pequenos chefes de clã (o gang), com o seu inevitável e perigoso séquito de "seguidores", e parece até já ser possível verificar, sem grande esforço ou perspicácia, que existe por aí um "chefinho" máximo, espécie de "Papa" das diversas comanditas, que a si mesmo atribui extraordinários poderes... como o decidir se determinada coisa ou causa interessa ou não aos demais.
O caso agora julgado foi um exemplo paradigmático dessas "coisas" que ao dito "chefinho" não convinham, vá-se lá saber "alegadamente" por que bulas. Tivesse ele ou um dos seus apaniguados dado o devido destaque ao sucedido e outro galo cantaria, com toda a certeza. Aliás, bastaria não ter instigado outros à traição, como fez aquele e fizeram estes, e já tudo teria sido diferente.
Mas não percamos mais tempo com ruins defuntos, porém. Parece-me ter ficado clara e suficientemente explicada a razão pela qual não se mobilizou a "lusosfera" em peso por uma causa que era (e continua a ser) sua.
Este julgamento não mexeu em um átomo de qualquer das minhas convicções. Continuo a acreditar que nós existimos para o bem e não para o mal - e que isso vale tanto na vida quotidiana como no mais cibernético dos mundos. Continuo a acreditar que existe gente boa, solidária e corajosa, gente que lutará até ao fim na defesa da Justiça e dos seus semelhantes - mesmo daqueles que, pela sua cobardia e desfaçatez, deveriam apenas ser votados ao mais profundo desprezo. Continuo a acreditar que existe uma Justiça divina, superior, supremamente absoluta, que pode tardar mas que nunca falha.
O futuro a Deus pertence. Se este mesmo Deus quiser, e se a saúde o permitir, cá estaremos - um dia destes - para relatar o que se seguir, se se seguir e se isso for de algum proveito para alguém.
1 Tanto a notícia original, da Agência Lusa, como as respectivas reproduções ou adaptações contêm diversas inexactidões, lacunas e até mesmo opiniões onde deveriam estar apenas factos, sendo tudo isso facilmente perceptível para quem estiver minimamente dentro do assunto.
João Pedro Graça
Fonte:http://apdeites2.cedilha.net/
Etiquetas:
Acções Cívicas,
Lei e Justiça,
Via mail
Partilhar
Qui 15:34
No passado dia 2, foi lida no Tribunal de Montemor-O-Velho a sentença do meu julgamento, já aqui antes referido, facto que teve alguma repercussão em diversos órgãos de comunicação social1 e também em alguns blogs.
Absolvido do crime de calúnia e difamação, fui no entanto condenado a uma pena de multa (800 €), pelo crime de gravação ilícita. De realçar, esclarecendo as pessoas menos ao corrente destas coisas da Justiça, que as penas de multa revertem para o Estado e não para quem se queixa ou acusa.
De todas as incidências deste julgamento, de evidentes complexidade e especificidade, ressaltam principalmente dois factos: por um lado, tratou-se de um caso inédito, ou seja, para o qual não existiam nem precedentes nem, por conseguinte, qualquer espécie de jurisprudência; por outro lado, e também nisso houve total ineditismo, a minha defesa foi assumida - tanto pelo meu advogado como pelas minhas testemunhas - por simples solidariedade para com a causa da transparência, da honestidade e da hombridade na Internet, este meio virtual em que todos os que por aqui andam cada vez mais estão entregues exclusivamente a si próprios... sem rei nem lei que lhes valha.
Parece-me de realçar que apenas quanto ao crime de gravação ilícita não vingou a tese da defesa, que propugnava a exclusão de ilicitude tendo em atenção os fins em vista, ou seja, a legítima defesa (não própria, mas alheia); e isto sucedeu exclusivamente porque o crime de gravação ilícita foi por mim confessado, de forma expressa e, porque não dizê-lo, com orgulho. A absolvição quanto aos restantes crimes de que vinha acusado resultou de ter verificado o Tribunal não ter havido qualquer animus difamandi na divulgação da referida gravação. Mesmo não tendo sido relevado o facto de que não teci quaisquer considerações sobre os conteúdos publicados, deixando a cada qual que os lesse, visse ou ouvisse a liberdade para tirar as suas próprias conclusões, ficou claro que não tive outra intenção que não fosse a de alertar a comunidade cibernética para uma prática irregular, a qual poderia vir a prejudicar elementos, indivíduos dessa mesma comunidade virtual, pelo menos tanto como a mim próprio a dita prática prejudicou.
Na minha opinião (e espero não constitua ainda delito exprimir o que nos vai na alma), não fui total e absolutamente absolvido porque a mesma comunidade à qual o meu alerta se destinava resolveu, grosso modo, alhear-se da questão; se, em vez dos "apenas" 7 bloggers que depuseram a favor da causa lá tivessem estado 70 (por exemplo), estou certo de que as coisas teriam sido diferentes; se tivesse havido uma vaga de fundo, caso a "blogosfera" em particular se tivesse mobilizado por algo que lhe dizia inteiramente respeito, então sim, teria ficado provado por inteiro que se tratou de um acto de cidadania e que a cidadania, pelo menos até ver, não deve nem pode ser confundida com um crime, mesmo que ou especialmente se confesso.
Não conhecia pessoalmente nenhuma das minhas testemunhas, à data dos factos de que fui acusado. Foram pessoas que se solidarizaram comigo porque reconheceram mérito numa causa que era (e é ainda) também de todos e de cada um deles. Para esses verdadeiros heróis da luta por uma comunidade virtual honesta e transparente que ali estiveram, com tanto sacrifício pessoal e de forma tão corajosa, daqui envio uma palavra de profundo apreço e um grande abraço de imensa gratidão.
Poucos mas bons, como se costuma dizer. E se não há dúvidas sobre o modo como foram bons, todos eles, já não será tão fácil apurar porque terão sido apenas estes 7 a estar no julgamento, reafirmando o carácter cívico da acção que lhe deu origem. Mas também sobre isto tenho uma opinião. Pessoalíssima, obviamente.
A Internet é uma coisa muito recente, em Portugal. No caso particular dos blogs e, mais recentemente ainda, das redes sociais, estamos numa idade equivalente à pré-adolescência, com todos os problemas comportamentais, erráticos e por vezes descabidos, que são característica intrínseca de um corpo em formação. E a isto, que já não seria pouco, acresce uma particularidade, também ela idiossincraticamente aplicada ao caso português e também ela típica dessas idades irresponsáveis e frenéticas: os "gangs". Quando eu era garoto, chamava-se "gandulos" àqueles que entretinham todo o seu tempo a partir vidros ou a riscar automóveis, por exemplo.
Pois na "web" portuguesa, aos seus 8 ou 9 ou 10 anos, assiste-se a algo muito semelhante: grupos mais ou menos organizados que se guerreiam mutuamente por puro ócio e que, já com alguns laivos de hierarquia interna e de correlações de poder, são no seu conjunto capazes de provocar estragos sérios na própria estrutura social... virtual. Alguns desses "gandulos" arvoram-se mesmo em pequenos chefes de clã (o gang), com o seu inevitável e perigoso séquito de "seguidores", e parece até já ser possível verificar, sem grande esforço ou perspicácia, que existe por aí um "chefinho" máximo, espécie de "Papa" das diversas comanditas, que a si mesmo atribui extraordinários poderes... como o decidir se determinada coisa ou causa interessa ou não aos demais.
O caso agora julgado foi um exemplo paradigmático dessas "coisas" que ao dito "chefinho" não convinham, vá-se lá saber "alegadamente" por que bulas. Tivesse ele ou um dos seus apaniguados dado o devido destaque ao sucedido e outro galo cantaria, com toda a certeza. Aliás, bastaria não ter instigado outros à traição, como fez aquele e fizeram estes, e já tudo teria sido diferente.
Mas não percamos mais tempo com ruins defuntos, porém. Parece-me ter ficado clara e suficientemente explicada a razão pela qual não se mobilizou a "lusosfera" em peso por uma causa que era (e continua a ser) sua.
Este julgamento não mexeu em um átomo de qualquer das minhas convicções. Continuo a acreditar que nós existimos para o bem e não para o mal - e que isso vale tanto na vida quotidiana como no mais cibernético dos mundos. Continuo a acreditar que existe gente boa, solidária e corajosa, gente que lutará até ao fim na defesa da Justiça e dos seus semelhantes - mesmo daqueles que, pela sua cobardia e desfaçatez, deveriam apenas ser votados ao mais profundo desprezo. Continuo a acreditar que existe uma Justiça divina, superior, supremamente absoluta, que pode tardar mas que nunca falha.
O futuro a Deus pertence. Se este mesmo Deus quiser, e se a saúde o permitir, cá estaremos - um dia destes - para relatar o que se seguir, se se seguir e se isso for de algum proveito para alguém.
1 Tanto a notícia original, da Agência Lusa, como as respectivas reproduções ou adaptações contêm diversas inexactidões, lacunas e até mesmo opiniões onde deveriam estar apenas factos, sendo tudo isso facilmente perceptível para quem estiver minimamente dentro do assunto.
João Pedro Graça
Fonte:http://apdeites2.cedilha.net/
blog comments powered by Disqus