Ténue linha da Vida
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Helena, minha querida Amiga, estas palavras são para ti.
Há 25 anos que te conheço!
Não sei por onde começar, estou confusa com os últimos acontecimentos. Não estava a contar ver-te assim já sem forças, ainda “ontem”, há uma semana, estavas bem.
Ontem pareceu-me ouvir as tuas gargalhadas... Quantas vezes passavas horas a falar comigo, desabafando as tuas queixas da vida, tão injusta e dura, mas sempre com coragem de vencer as contrariedades.
Ai, minha cara amiga... Como a vida é tão injusta!
Agora, os teus olhos perderam o brilho que tantas vezes demonstravas ter nas tuas gargalhadas, na tua alegria e no optimismo que tinhas estampado no rosto e nesses olhos esverdeados.
Sofreste sempre ao lado de um homem, alcoolizado, que nunca te deu qualquer carinho, egoísta, que só te trouxe desgostos, que te agrediu, magoou e, durante todos estes anos não soube dar-te o que merecias e de quem, apesar de tudo, nunca quiseste separar-te, por pena e por vergonha.
Tudo fizeste para criar teus filhos, sozinha, com os parcos e míseros tostões que ganhavas ao serviço dos outros. Pelo menos, os teus filhos amam-te, acarinham-te, mimam-te.
Já não nos olhas de frente, com aquele teu habitual olhar limpo, tens medo de ver pena e comiseração nos nossos, pelo que estás a passar.
Ontem, à noite, quando vieste ter comigo ao Hospital, já não vi a luz daquele sorriso de outrora, este estava apagado... tive até a sensação que pairavas no ar e nem me vias à tua frente, caminhavas a meu lado, como se alguém te impelisse, empurrando-te por trás para te obrigar a avançar e a mover os pés um à frente do outro arrastando-os como que a tactear o caminho.
Até uma simples infecção urinária tinha que te chatear, nesta altura!
Não sabes nem imaginas como me senti.
Saber que dentro em breve vou ter de me despedir de ti porque esse mal te está a consumir, dói cá dentro e dói a todos os que gostam de ti.
Resignaste à tua sorte e ao teu destino... até nisso, o sofrimento de uma vida inteira já não te dá forças para te revoltares, para lutares mais ainda pela vida... fechaste-te ao Mundo, enfias-te entre as quatro paredes desse quarto, não queres ver ninguém.
Sabes que a linha entre a vida e a morte se aproxima, já te desenganaram... é tarde demais... não há nada a fazer.
Nunca pensaste que tal coisa te podia acontecer... pois... quem vive para os outros e em função dos outros, esquece-se de si próprio.
Porque te esqueceste assim de ti? Porque não estiveste atenta a essas dores que já te incomodavam há tanto tempo e não desconfiaste que essa ***** te estava a invadir? Porque não me disseste pelo menos o que estavas a sentir? Porque deixaste que isso te acontecesse? Sabes que podias contar comigo... eu estava aqui e tu nunca me disseste nada.
Não me querias incomodar!? Tudo teria feito para que não tivesses encontrado essa porta sem saída na qual te encontras agora. Sabes que tudo teria feito para te ajudar. Tudo teria feito. Nem vendo o exemplo da minha Mãe, cuidaste de ti!
Ai, minha amiga, sinto-me impotente para te ajudar como tanto gostaria e merecias.
Há quem diga que o nosso destino está traçado mas eu não sei se é bem assim. Podemos estar pré-destinados para tal, mas cabe-nos lutar sempre para o contrariar, pelo menos tentar.
Sei que, em breve, terei que me despedir de ti, mas custa-me aceitar isso, não quero... ainda é cedo... gosto muito de ti. Já tenho saudades das tuas gargalhadas.
Estás a passar aquela fase em que é preciso ordenar ideias e a energia que aí gastas derruba-te.
“Já não há remédio. Dentro em pouco irei. Ele... ele pouco me importa, mas os meus netos, os meus filhos! Vocês...”
Não vi revolta, apenas uma tristeza profunda, a resignação na inevitabilidade, do querer de Deus, como dizes.
Não consegui dizer nada... Apenas te abracei.