Diante da Lei
Postado por
Anónimo
em segunda-feira, 3 de setembro de 2007
...
Diante da Lei está um guarda.
Vem um homem do campo e pede para entrar na Lei. Mas o guarda diz-lhe que, por enquanto, não pode autorizar-lhe a entrada. O homem considera e pergunta depois se poderá entrar mais tarde.
— "É possível…" – diz o guarda. — "Mas não agora!"
O guarda afasta-se então da porta da Lei, aberta como sempre, e o homem curva-se para olhar lá dentro.
Ao ver tal, o guarda ri-se e diz:
— "Se tanto te atrai, experimenta entrar, apesar da minha proibição. Contudo, repara sou forte. E ainda assim sou o último dos guardas. De sala para sala estão guardas cada vez mais fortes, de tal modo que não posso sequer suportar o olhar do terceiro depois de mim".
O homem do campo não esperava tantas dificuldades.
“A Lei havia de ser acessível a toda a gente e sempre”, pensa ele.
Mas, ao olhar o guarda envolvido no seu casaco forrado de peles, o nariz agudo, a barba “à tártaro”, longa, delgada e negra, prefere esperar até que lhe seja concedida licença para entrar.
O guarda dá-lhe uma banqueta e manda-o sentar ao pé da porta, um pouco desviado.
Ali fica, dias e anos. Faz diversas diligências para entrar e com as suas súplicas acaba por cansar o guarda. Este faz-lhe, de vez em quando, pequenos interrogatórios, perguntando-lhe pela pátria e por muitas outras coisas, mas são perguntas lançadas com indiferença, à semelhança dos grandes senhores… no fim, acaba sempre por dizer que não pode ainda deixá-lo entrar.
O homem, que se provera bem para a viagem, emprega todos os meios custosos para subornar o guarda. Esse aceita tudo mas diz sempre:
— "Aceito apenas para que te convenças que nada omitiste…"
Durante anos seguidos, quase ininterruptamente, o homem observa o guarda. Esquece os outros e aquele afigura-se-lhe ser o único obstáculo à entrada na Lei.
Nos primeiros anos diz mal da sua sorte, alto e bom som, e depois, ao envelhecer, limita se a resmungar entre dentes. Torna-se infantil e como, ao fim de tanto examinar o guarda durante anos lhe conhece até as pulgas das peles que ele veste, pede também às pulgas que o ajudem a demover o guarda. Por fim, enfraquece-lhe a vista e acaba por não saber se está escuro em seu redor ou se os olhos o enganam. Mas ainda se apercebe, no meio da escuridão, de um clarão que eternamente cintila por sobre a porta da Lei. Agora a morte está próxima. Antes de morrer, acumulam-se na sua cabeça as experiências de tantos anos, que vão todas culminar numa pergunta que ainda não fez ao guarda. Faz lhe um pequeno sinal, pois não pode mover o seu corpo já arrefecido. O guarda da porta tem de se inclinar até muito baixo porque a diferença de alturas acentuou-se ainda mais em detrimento do homem do campo.
— "Que queres tu saber ainda?", pergunta o guarda. — "És insaciável!".
— "Se todos aspiram a Lei" - disse o homem. — "Como é que, durante todos estes anos, mais ninguém, senão eu, pediu para entrar?!
O guarda da porta, apercebendo se de que o homem estava no fim, grita-lhe ao ouvido quase inerte:
— "Aqui ninguém mais, senão tu, podia entrar, porque só para ti era feita esta porta. Agora vou me embora e fecho-a".
Vem um homem do campo e pede para entrar na Lei. Mas o guarda diz-lhe que, por enquanto, não pode autorizar-lhe a entrada. O homem considera e pergunta depois se poderá entrar mais tarde.
— "É possível…" – diz o guarda. — "Mas não agora!"
O guarda afasta-se então da porta da Lei, aberta como sempre, e o homem curva-se para olhar lá dentro.
Ao ver tal, o guarda ri-se e diz:
— "Se tanto te atrai, experimenta entrar, apesar da minha proibição. Contudo, repara sou forte. E ainda assim sou o último dos guardas. De sala para sala estão guardas cada vez mais fortes, de tal modo que não posso sequer suportar o olhar do terceiro depois de mim".
O homem do campo não esperava tantas dificuldades.
“A Lei havia de ser acessível a toda a gente e sempre”, pensa ele.
Mas, ao olhar o guarda envolvido no seu casaco forrado de peles, o nariz agudo, a barba “à tártaro”, longa, delgada e negra, prefere esperar até que lhe seja concedida licença para entrar.
O guarda dá-lhe uma banqueta e manda-o sentar ao pé da porta, um pouco desviado.
Ali fica, dias e anos. Faz diversas diligências para entrar e com as suas súplicas acaba por cansar o guarda. Este faz-lhe, de vez em quando, pequenos interrogatórios, perguntando-lhe pela pátria e por muitas outras coisas, mas são perguntas lançadas com indiferença, à semelhança dos grandes senhores… no fim, acaba sempre por dizer que não pode ainda deixá-lo entrar.
O homem, que se provera bem para a viagem, emprega todos os meios custosos para subornar o guarda. Esse aceita tudo mas diz sempre:
— "Aceito apenas para que te convenças que nada omitiste…"
Durante anos seguidos, quase ininterruptamente, o homem observa o guarda. Esquece os outros e aquele afigura-se-lhe ser o único obstáculo à entrada na Lei.
Nos primeiros anos diz mal da sua sorte, alto e bom som, e depois, ao envelhecer, limita se a resmungar entre dentes. Torna-se infantil e como, ao fim de tanto examinar o guarda durante anos lhe conhece até as pulgas das peles que ele veste, pede também às pulgas que o ajudem a demover o guarda. Por fim, enfraquece-lhe a vista e acaba por não saber se está escuro em seu redor ou se os olhos o enganam. Mas ainda se apercebe, no meio da escuridão, de um clarão que eternamente cintila por sobre a porta da Lei. Agora a morte está próxima. Antes de morrer, acumulam-se na sua cabeça as experiências de tantos anos, que vão todas culminar numa pergunta que ainda não fez ao guarda. Faz lhe um pequeno sinal, pois não pode mover o seu corpo já arrefecido. O guarda da porta tem de se inclinar até muito baixo porque a diferença de alturas acentuou-se ainda mais em detrimento do homem do campo.
— "Que queres tu saber ainda?", pergunta o guarda. — "És insaciável!".
— "Se todos aspiram a Lei" - disse o homem. — "Como é que, durante todos estes anos, mais ninguém, senão eu, pediu para entrar?!
O guarda da porta, apercebendo se de que o homem estava no fim, grita-lhe ao ouvido quase inerte:
— "Aqui ninguém mais, senão tu, podia entrar, porque só para ti era feita esta porta. Agora vou me embora e fecho-a".
Conto de Frank Kafka
Surgiu-me este conto a propósito do vandalismo a que foi sujeito um agricultor (homem do campo) de Silves, proprietário de um hectare de cultura de milho trangénico. Segundo rezam as notícias vindas a público, esta acção foi perpetrada por um grupo de activistas “Verde Eufémia”, após ter “sensibilizado” previamente alguns populares de Poço Barreto, sob as “barbas” da GNR,
assistindo impávida e serena ao escarcéu sem manifestar o mínimo interesse em indagar da legalidade do grupo em questão. Esta força de segurança só actuou após se ter verificado a destruição do cultivo.
Não se trata aqui de discutir as questões legais que envolvem a autorização oficial para tal cultura.
O que deve ficar registado é que, independentemente de este tipo de cultura estar ou não legalizado, e quais os riscos que envolvem este tipo de cultivo em Portugal, actos destes são dignos de uma população do terceiro mundo, e não num país que se pretende afirmar como democrático.
Veremos agora como vai actuar a justiça perante tudo isto, já que foi instaurado um processo-crime contra o “Verde Eufémia” e os populares que se aliaram a esta acção absolutamente condenável.
Será a justa aplicação da lei célere ou o “homem do campo” terá de esperar até morrer? Ou será que existem também meandros obscuros nesta história?
assistindo impávida e serena ao escarcéu sem manifestar o mínimo interesse em indagar da legalidade do grupo em questão. Esta força de segurança só actuou após se ter verificado a destruição do cultivo.
Não se trata aqui de discutir as questões legais que envolvem a autorização oficial para tal cultura.
O que deve ficar registado é que, independentemente de este tipo de cultura estar ou não legalizado, e quais os riscos que envolvem este tipo de cultivo em Portugal, actos destes são dignos de uma população do terceiro mundo, e não num país que se pretende afirmar como democrático.
Veremos agora como vai actuar a justiça perante tudo isto, já que foi instaurado um processo-crime contra o “Verde Eufémia” e os populares que se aliaram a esta acção absolutamente condenável.
Será a justa aplicação da lei célere ou o “homem do campo” terá de esperar até morrer? Ou será que existem também meandros obscuros nesta história?
Vamos aguardar para ver… E para crer de novo na Lei!
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