Episódio II – Cidade magnífica, muitos contrastes
Postado por
Anónimo
em segunda-feira, 2 de junho de 2008
...
(... continuação)
Episódio II – Cidade magnífica, muitos contrastesCom a aproximação do navio ao cais de Luanda, a cidade ia tomando forma... Primeiro à nossa esquerda, um morro enorme e, bem em cima, um majestoso Forte da Barra (Fortaleza, como lhe chamavam), que defendeu no tempo dos conquistadores, com os seus grandes canhões virados para a entrada da baía... a marginal, ainda hoje o ex-libris da cidade.
Em frente a cidade com os seus lindos e altos edifícios de lindas cores.
À nossa direita, bem dentro da cidade, plantado em cima de um brutal monte de terra, a Fortaleza de São Miguel, local que dava para ver a cidade e as praias da Ilha, quer de dia quer de noite, como miradouro, que proporcionava uma beleza nunca vistas.
Muito lentamente o navio lá se foi aproximando do cais e as pessoas iam-se tornando cada vez mais visíveis. Nós, na ânsia de vermos as pessoas que procurávamos, íamos gritando e ouvindo “estão ali!”, “não... ali!”, “não, não é... está além de camisa branca!”...
Até que, por fim, lá conseguímos ver quem queríamos!
Feitas as manobras de atracagem do navio, começaram as formalidades de desembarque já com as autoridades a bordo. Tudo com muita lentidão, à mistura com empurrões de um lado e do outro... todos a quererem ser os primeiros...
Finalmente chegou a nossa vez de sair e pela primeira vez pisávamos solo africano... com uma sensação muito estranha de sons, cheiros e vozes e, à mistura, uma embriaguez que nos pôs tontos e sem reacção. Estávamos a milhares de quilómetros de distância de casa... numa terra desconhecida... com um sonho a caminho de ser realizado!
O senhor Veloso, e esposa, que nos tinham vindo esperar, dirigiram-se ao nosso encontro... Abraços e cumprimentos com desejos de boas-vindas, saímos do porto de Luanda... malas no carro... encetamos a viagem para a morada nova!
Com os olhos muito abertos olhando numa ânsia desmedida de querer mirar tudo numa só vez, marginal fora... Que encanto!! Uma avenida ladeada do lado direito por palmeiras, junto ao mar, formando a tal famosa Baía de Luanda, um dos locais que muito me marcaria para o resto da minha vida!!
Deixamos para trás a avenida e seguimos por outras ruas... muito poucas com asfalto - a maioria eram picadas em terra vermelho-ocre, levantando uma poeira que, à mistura com o suor que nos começava a escorrer pelo corpo sujando a roupa e a ele se colava, tornando-nos indolentes... fazia um calor infernal, comparado com as temperaturas a que estávamos habituados...
Algumas picadas continham somente os sulcos que os carros deixavam ao passar... isto sem contar com os grandes buracos que, segundo o sr Veloso, quando chovia, formavam grandes lagos - eram a alegria de muitos miúdos negros que aí chafurdavam nesses lagos de tons de castanho-avermelhados, e que serviam de piscinas.
Essas lagoas atraiam, faziam nascer e criavam milhões de mosquitos, considerados uma praga... o que cedo nos obrigou a tomar comprimidos contra o paludismo.
As águas tinham de ser fervidas e passadas pelo filtro (um bonito aparelho de louça com uma vela também em louça por onde a água teria de passar, filtrada, saindo através de uma torneira metálica - era uma água fresca e saborosa!)
Fomos conduzidos para casa do sr. Veloso, onde permanecemos alguns dias, até que se pudesse arranjar uma casa para morarmos.
Descarregadas as malas, e depois de instalados, a esposa do sr. Veloso presenteou-nos com o famoso “churrasco angolano”!
O meu Pai, que adora novidades, e por indicação do nosso anfitrião, retirou da travessa uma coxa e “abocanhou-a”... mas logo a deixou cair de novo no prato...
Começou a bufar e a esticar os lábios, qual macaco!...
Espantadas pela sua reacção repentina ficámos a olhar para ele, para percebermos o que se estava a passar...
O Pai só bufava e entre dentes ia dizendo que aquilo não se podia comer, que sentia os lábios inchados... e bebia, bebia, molhando-os na borda do copo para apaziguar o efeito do piri-piri!!!
Recordo que o sr. Veloso ria a bandeiras despregadas, com a "partida"... E todos nos rímos dos trejeitos e caretas que o meu Pai fazia, que olhava para nós furibundo...
Recordo que o sr. Veloso ria a bandeiras despregadas, com a "partida"... E todos nos rímos dos trejeitos e caretas que o meu Pai fazia, que olhava para nós furibundo...
Durante muito tempo não comeu churrasco... depois lá se foi habituando aos poucos...
Hoje, não consegue comer churrasco sem lhe colocar uma dose boa de piri-piri... diz que não tem sabor!!!
Eu e a minha Mãe, acauteladas com o sucedido, retiramos a pele ao frango e lá comemos um bocado... só para provar... confirmando que, de facto, para quem não estava habituado àqueles sabores, era difícil gostar logo assim do tal “churrasco”!
Hoje, não consegue comer churrasco sem lhe colocar uma dose boa de piri-piri... diz que não tem sabor!!!
Eu e a minha Mãe, acauteladas com o sucedido, retiramos a pele ao frango e lá comemos um bocado... só para provar... confirmando que, de facto, para quem não estava habituado àqueles sabores, era difícil gostar logo assim do tal “churrasco”!
Passados à sobremesa, o casal apresentou-nos um cabaz de frutas tropicais: goiabas, bananas, mamão... O meu Pai, sempre aberto a novidades e esquecido do episódio do picante, resolveu comer uma banana com a casca... Mal deu a primeira trincadela, “cuspiu” logo a dentada, fazendo uma careta de arrependimento pela aventura... Ainda hoje não é muito apreciador deste fruto...
Condicionamentos que lhe ficaram na memória!...
Lembro-me de uma outra: quando o meu pai comeu, pela primeira vez, mamão (fruto idêntico à papaia, de maiores dimensões, mais arredondado e muito mais doce e suculento). O mamão contém dentro da polpa, uma cavidade oca que contém umas sementes muito semelhantes a excrementos de coelho. Também aí, meu Pai, quis experimentar o seu sabor e toca de comer as ditas... Bem... aprendeu de vez que a curiosidade matou o rato! Eu e a minha mãe deliciamo-nos com o seu sabor e o seu suco...
Três dias depois, e após muitas peripécias, nova viagem até ao outro extremo da cidade... em direcção à casa que tinha sido alugada pelo sr. Veloso, e onde iríamos morar: nº 132 do Bairro Adriano Moreira, mesmo por trás da fábrica de cerveja da Cuca, muito perto da zona de implementação da fábrica de botões que o meu Pai ia montar e administrar.
Lá chegamos, finalmente, à casa que iria ser nossa!
A nossa excitação - mais a minha, claro - era enorme!! Era um andar-moradia... por baixo íamos ter vizinhos. Também portugueses, eram naturais de Oliveira de Azeméis. Extremamente simpáticos e hospitaleiros, ajudaram-nos logo a descarregar as malas, dando-nos as boas-vindas ao Bairro.
O acesso ao interior da casa fazia-se através de um lance único de escadas e ao lado das mesmas havia uma espécie de corredor, exterior e cimentado, que fazia a ligação com as traseiras da mesma. Ao fundo, existiam outras escadas para acesso à casa, nas traseiras.
Comecei a correr pelo pequeno quintal, louca para conhecer tudo!... Aquele espaço era só para mim... e no centro do mesmo existia um mamoeiro!!
(... a continuar)
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