Apesar
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Apesar de todos os raspanetes, apesar do beijo que sempre esperei em vão, receber à noite, que me aconchegasses a roupa, que me dissesses que me amavas, apesar de tudo isso, sinto a tua falta.
Segundo o que me contaram nunca me quiseste, não me desejaste.
Tenho tanta pena! Sempre te quis agradar, sempre quis fazer tudo direito, até uma altura….
Não sei porquê mas houve um dia que te comecei a ver de uma maneira diferente, acho que me zanguei contigo.
Não consigo explicar ao certo o que foi, apenas tenho uma imagem confusa e difusa, muitos sentimentos ao mesmo tempo.
A ideia que tenho é de dor, vergonha, tristeza, de te ver beber demais, tomar remédios a mais, de te ver ou calada, ou passada.
Sempre mal, se chovia, era mau, se estava sol, era mau também. Sofri tanto a tentar perceber o que te agradava. Lembro-me bem de tratar de ti, quando estiveste doente, de te dar a sopa…
Tive tanto medo cada vez que bebias demais, quando me ias buscar bêbada, aqueles percursos com o carro aos bordos, vezes sem conta.
Tanto sofrimento tiveste, tanto fizeste sofrer.
Uma vez decidi partir, tomei alguns dos teus remédios, escrevi uma carta de despedida, dramática, e deitei-me. Mas não morri, acordei às cinco da tarde, ninguém tinha dado conta, rasguei a carta, e ainda aqui estou. Tinha treze anos.
Ri-me quando vi, que mais uma vez ninguém tinha dado conta de nada, percebi que estava por minha conta e risco.
Essa nostalgia de partir ainda a tenho, às vezes, esse desespero de não continuar!
Vim aqui dizer-te que apesar de tudo isso, tenho saudades tuas.
Que não te guardo nenhum ressentimento, levou tempo, a chegar aqui, mas cheguei!
E mando-te “aquele” beijo que me ficaste a dever.